Não se trata de androginia, esse fenómeno que quando perfeito nos consegue cegar de fascínio, rendidas à sedução implícita na hesitação, com indubitável travo sexual, e no mistério da insinuação ambivalente – pois que se de grosseira imperfeição, desemboca nas matrafonas -, mas sim de fazer assumir uma quantidade inesgotável de peças claramente femininas por corpos de homens. São desta forma impressionantes as colecções masculinas que em 2024 são apresentadas em Paris, Londres, Milão, Tóquio, NY ou Madrid e embora nem todos os nomes dos criadores se ajustem aos que a nossa memória conserva ano após ano, acaba-se por perceber que são as recentes estrelas as que mais burburinho conseguiram fazer estalar.
O que é me desperta a curiosidade é a possibilidade de se colocar a hipótese de estarmos a assistir a reacções próximas das que foram observadas quando, por exemplo, Dietrich surge na tela absolutamente fatal, de smoking desafiador, a beijar na boca uma pateta que assiste a uma interpretação rouca, arrastada, masculina, soberba e superior, de uma canção vagamente perversa. Como choveu saliva envenenada nessa altura!
É maravilhoso ler as cómicas crónicas de comentadores de serviço que se servem do apresentado - e visto de modo absolutamente restrito ao que conseguem absorver -, para tentar dar largas a uma patética ironia, a uma mesquinha e medíocre forma de entendimento dos signos e dos símbolos que estão implícitos naquilo que não é mais do que uma apropriação, consciente - ou não -, de um universo transgressor e de um outro até aqui proibido, o feminino, com a vantagem de se perceber que sempre coincidiram.
O mesmo não
se poderá afirmar dos 100 homens - figuras públicas, diz quem sabe -, que decidiram num belo dia de baloiço já passado aceitar a proposta de Luís
Onofre figurando numa das suas campanhas publicitárias que apesar de não ter primado pela originalidade, acabou por funcionar bastante bem nesta horta à
beira-mar plantada. Forneceu visibilidade aos que dela estavam carentes, satisfez
hipotéticas fantasias, imitou o arrojo das transgressões e o criador teve deste
modo assegurada uma boa divulgação do seu trabalho.
Os rapazes aparecem em poses irrepreensivelmente varonis, enfiados em cenários mais ou menos viris, em situações que não colocam em questão a sua masculinidade e de saltos altos. Tudo muito Mário Testino.
Acredito que
a passerelle pode ser interventiva, sendo passível de se tornar
também uma forma de participação civica e social ou reflexo das
preocupações societais. É louvável que o seja. YSL já nos vestiu com o vosso
smoking e não precisou de nos explicar a razão, porque foi de imediato
entendida e continua activa.
Penso
igualmente que não há qualquer inconveniente que seja apenas um modo de
brincar levado a sério e aposto que, neste caso, os meninos se divertiram
imenso. É sempre saudável gargalhar enquanto se tenta o equilíbrio seja onde
for.
Há no entanto um pormenor que me deixa ligeiramente irritada nesta sessão de macho glamour.
A justificação que é dada.
Pela
igualdade entre o homem e a mulher, contra os abrolhos que a cada passo
entravam e atormentam o caminho das fêmeas.
Não nos
capacita, pois não?
Os meninos
não precisavam de invocar, de desencantar, de arrancar das unhas dos pés, uma
causa destas para justificar - para se justificarem? - terem protagonizado uma campanha publicitária. Fica mais amoroso, é certo, mas não
é convincente.
- Que
lata!