Uma fila medonha de criaturas resignadas de retângulo de
papelinho amarelo na mão olhando de quando em vez o número que lhes saiu em
sorte. Tentam passar o peso do corpo de uma perna para a outra, mascando o
tédio ou a impaciência enquanto vão erguendo a sobrancelha quando um olhar se
cruza com o do vizinho.
À medida que o tempo se arrasta, manobrado com a lentidão
dos vermes pela única funcionária, senhora oxigenada de lábios sumidos e sombra
azul celeste nas pálpebras cansadas, as conversas baixas vão erguendo um
burburinho morno e sonolento.
Ao meu lado, uma jovem mãe, moçoila robusta e de boas cores, de avantajadas e roliças curvas e mamocas redondas a asfixiar dentro da blusa justa, é puxada pela criança que tenta atingir a pequena estante onde estão pousadas bugigangas e alguns livros coloridos. A menina é irritante, inquieta, irrequieta, impaciente. Não tem mais do que seis anos e é minúscula. Parece um rato desgrenhado e feio. É provável que se pareça com o pai, pois que a mãe tem a beleza alourada e florida das minhotas e uma sensualidade contida pela força das mansidões aprendidas ou impostas.
Não consegue estar sossegada. Procura tocar nos livros e nos tarecos de plástico em forma de bichinhos, com uma pequenina corrente para pendurar. A mãe agarra-a. Exige que pare, que esteja quieta.
A miúda desobedece.
Puxa-lhe a saia, agarra-lhe nas mãos, torce-lhe os dedos,
cola-se-lhe às pernas. A mãe começa a desesperar, empurrando-lhe a insistência
com um solavanco e um beliscão no braço. A criança continua mesmo assim. Quer
desesperadamente um livro com dois ursinhos na capa. A mãe recusa. A menina
ataca. A mãe nega. A menina teima. A mãe rejeita-a. O ratinho morde.
Creio ser só eu a observar a cena. Os meus restantes
companheiros de infortúnio encetaram entretanto as conversas de ocasião com que
esperam iludir a espera.
Dura há já algum tempo a embirração.
A criança dispara com um berro de repente a derradeira bala.
- Não dás? Não dás? Então vou dizer a toda a gente que
lambes a pila ao pai.
Faz-se silêncio. Aquele que é o melhor. O absoluto.
Sinto que algures ocupando o espaço paira um búfalo morto e
que toda a gente está ali para apresentar condolências à família.
Ficou no chão um papelinho amarelo com o número que antecede
o meu.
Já não tenho ninguém à minha frente.
Fotografia - Hong Jang Hyun