17.6.24

A Gaffe comparatista


É interessante colocarmos lado a lado um rapagão portuense, o que melhor conheço, e um parisiense, que conheci e que me provoca saudades.

As diferenças podem não ser notórias, mas insinuam uma ausência de cosmopolitismo no primeiro, que, para além de assustar um bocadinho, deixa que o rapaz permaneça numa espécie de limbo onde as certezas são de betão com aberturas transformadas em frinchas por onde a claridade tem algumas dificuldades em penetrar.

O portuense é, na maioria dos casos, conservador e rotineiro, considerando, num homem, demasiado ousado, ambíguo e suspeito, qualquer atitude que por tradição é apanágio do sexo oposto.

É embaraçado que o vemos de lista de compras na mão, à procura da marca de pensos higiénicos que a sua amada lhe pediu para comprar e tem a tendência para sorrir e espetar uma piadinha raquítica acerca do assunto, quando a menina da caixa faz apitar o código do produto.

Raramente o vemos sem as cores discretas da monotonia e, quando acontece uma camisa verde alface, surge o constrangimento aliado a uma necessidade imbecil de justificar o uso de um elemento discordante no panorama discreto das ruas opacas.

É quase impossível encontrá-lo com a descontracção necessária à alegria e à solar necessidade de sorrisos abertos, entregues aos passageiros que com ele cruzam. Fecham-se e desconfiam de abordagens estranhas e estrangeiras, procurando escudar-se com a urgência do tempo e do caminho que são obrigados a calcorrear para não perder o que sabem não os esperar nunca.

Apesar de gregários, dificultam a entrada de elementos novos nos grupos com que se identificam e repelem, com algum cinismo ou ironia idiotas, os que desobedecem, ainda que vagamente, aos códigos, regras e preceitos que são mantidos sem razão consciente.

Não abdicam de uma masculinidade que de tão exteriorizada acaba por cansar e aborrecer e jamais aceitarão sem um esgar sarcástico, zombeteiro ou escarninho, o homem que passa de bicicleta, com rosas no cestinho de apoio ou um desalinhado pedalar nas ruas que, por norma, são de graníticas vocalizações que impedem gestos de fragilidades mais serenas e mais flutuantes.

São simpáticos, mas dizer que um homem é simpático é um dos mais pobres e desvalorizantes adjectivos com que o podemos brindar.

Ao contrário deste portuense, o parisiense é como uma avenida soalheira, larga e plena de cor, de espuma e perfumes.  

Não hesita, é audacioso e arrojado e é nítida a sua presença despojada de soturnidade e de sombra, quando passa a pedalar, florido nos olhos que acolhem de bom grado o estranho e o estrangeiro e com o aroma quente das baguettes a espalhar-se no ar.

Ao contrário do portuense, o parisiense sabe que é na sua cidade que existe a maior concentração da Europa de homens bonitos por metro do quadrado.

Ajuda a impedir que se tornem simpáticos.