É evidente que somos demasiado
novas para recordar com detalhe a maravilhosa Sarah Palin, dona de um
conservadorismo hipócrita e furado, a atirar para o obsessivo e fundamentalista,
que colocava a assustadora hipótese de se tornar a primeira sopeira a ocupar o
lugar de vice-presidente dos EU, caso MacCain fosse eleito.
Pensávamos nós inocentes que Sarah Palin, pequena, toda
enfeitada com uma data de Valentinos emprestada, tinha deixado de ameaçar
causar danos na bolsa dos costureiros e no cérebro dos cientistas.
A senhora, que não perdeu o seu je ne sais quoi muito
sopeiro e patego e todo o aspecto de nunca ter saído do Alaska a não ser para
ir fazer umas comprinhas à cidade, ressuscita na lista dos nomeáveis de
Trump ao lado de homens claramente racistas e xenófobos, como Newt Gingrich,
Rudy Giuliani ou Chris Christie.
É natural que se pense que Trump apenas nos fará corar de
vergonha alheia e que os dispositivos democráticos atenuarão os seus impulsivos
e brutos desmandos. Ajuda a aceitar que um país que reelegeu Obama possa,
súbita e praticamente sem explicação, entregar o voto ao seu contrário. Uma
panaceia.
É natural que se reconheça a derrota clamorosa da imprensa
global, das baralhadas empresas de sondagens e mesmo a de Obama e que se
assista a um estranho comportamento dos meio de comunicação social, falada e
escrita, que anuncia a sua própria estupefacção. É mais fácil clamar contra as
alarvidades explícitas e descaradamente assumidas de Trump do que enfrentarmos
os muros que, sentados nos sofás dos nossos comodismos muito míopes, vamos
vendo erguer - o de Munique tem quatro metros de altura e é justificado com a
necessidade de evitar a poluição sonora causada pelos jovens
refugiados. É mais seguro temer o que sentimos aparentemente longínquo,
tentando, neste terror de papel, anestesiar o que nos agarra e castra, ao nosso
lado.
Trump há muito que se instalou na Europa, só que os europeus
sabem usar a faca e o garfo, que não se cospe para o chão quando há gente a ver
e que não se apalpam as senhoras em público.
Talvez não seja assim tão estranho e inusual a ligeireza com
que tentamos disfarçar a chegada ao poder de uma enorme turpe de canalhas, de
sacanas e de parolos mentais. Olhamos para Trump escandalizados, finalmente
escandalizados, com a brutalidade que encarna e que abranda a consciência
emudecida daquela que é a nossa e acreditamos muito aliviados que, apesar de
tudo, Sarah Palin não fala francês como Marine le Pen.
Gaffe – 2016