9.6.24

A Gaffe eleitora


Já foram votar?

A Gaffe espera que não se esqueçam que o único voto útil que existe é apenas o que reflecte o que acreditamos e que nos aproxima daqueles que podem representar o que, estamos seguros, deve ser defendido.

A outra utilidade apenas nos prova que partimos do princípio que seremos sempre derrotados e que é a resignação que escolhe trocar as nossas convicções pelo medíocre do mal, o menos.

Sendo assim, a Gaffe preparou-se para votar quando vota a abstenção, depois desta marota ter percebido que as horas de ponta nas urnas são exactamente aquelas em que toda a gente pensa que tudo está vazio – o início da manhã, a hora do almoço e o resto da tarde.

Espargindo o seu perfume ligeiramente demagógico nos corredores que a levavam a uma secção qualquer - que agora é moderno -, a Gaffe encontrou gente que não via há algum tempo.

Os queridos que mais a alegraram ver foram sem dúvida o pobrezinho muito velho que desapareceu da rua onde esmolava, porque deixou de ter forças e saúde para disputar o caixote do lixo, agora dominado por um grupo de mulheres destravadas e muito mal-educadas que não controlam as crianças que gritam num desenfreado sujo, que se penduram nas traseiras dos autocarros e que roubam imenso os turistas; a D. Amélia, reformada dos Correios - como teima em dizer -,  que decidiu pintar a raiz do cabelo de branco, que perdeu os três netos que deixaram de a amparar nesta hora democrática, emigrados, um em Angola, outro nas limpezas alemãs e o mais novo enfermeiro em Londres e o Chico-diabético que nunca conseguiu manter um emprego por falta de tino e de pão, dono de uma rebeldia que se tornava bandeira da frente da resistência revolucionária, pronta a defender os trabalhadores, mesmo os sem salário. Uns doces de pessoas.

Achou-os esgotados e depauperados. O tempo é implacável - somos todos pó, não éVamos todos caminhando para o mesmo, não vale a pena incomodar ninguém. Há apenas que tentar estar de pérolas ao pescoço quando a morte nos igualar a todos.

A Gaffe via e ouvia esta gente - que não traz um cêntimo no bolso para pagar o autocarro e mesmo assim chega, com a casa num saco e pé na chanata, para cumprir o seu dever cívico -, a barafustar e a espernear, imbuída do fervor das convicções, bradando contra os que a tratam com os números - e acabamos todos por ser um número na campa que nos espera -, cravando os dentes no governo e nas côdeas que guarda durante meses, passando fome, mas com medo que quando a fome chegar já ter comido na véspera aquele pão, e agora aquilo.

Restam uns trapitos fiéis à tradição, prontos a votar nas Europeias e como sempre a manter no trono quem lá está.

A coragem desta gente é admirável.