Todos temos um mapa na alma.
Uma carta de viagens que foram exteriores e em que tivemos
como parceiros aqueles com quem nos cruzamos. Agora, já metamorfoseada, já
inscrita no interior do peito, desejamos a imutabilidade, a perenidade dos
traços.
Paradoxal desejo este que, perante a visão certeira e
contínua de um mapa em mutação constante, retém a vontade incontrolável de o
vermos quieto, como se em vez de uma caótica carta de emoções guardássemos
dentro colecções inteiras e catalogadas de fotografias.
Esta inominável dualidade faz com que cada momento de
mudança, breve que seja, se encare como ponto final, um porto de chegada. O
movimento é sentido, mas é retido o mover do seu mundo. Imobilizamos o instante
e acreditamos, mesmo sem força, que aquele brevíssimo segundo, o último que
vimos, é o que permanecerá no mapa desenhado.
Dentro de nós há lugares que desconhecemos por completo.
A dor abre-lhes as portas e só então percebemos que existiam
desde sempre. Visitamos estes compartimentos revelados, povoamo-los de
bricabraques de memórias e deixamos que o sol os invada e levante a poeira que
continham.
A dor é desta forma similar a uma chave que sempre esteve na
palma da nossa mão sem o sabermos. Os espaços abertos são redutos ignorados, ou
bunkers invioláveis, até ao momento em que os percebemos nossos desde o início
do tempo.
A felicidade é somente um corredor sem história por onde caminhamos sempre de costas voltadas para os nossos mais soturnos sofrimentos.
Creio que a ampliação da alma se faz apenas através da dor.
A ausência dela raramente conta histórias que fascinam.
A aliança não estranha, embora ocasional, entre felicidade e a ausência de Dor, amolece e amortece, atenuando o instinto de sobrevivência que é um dos motores da criatividade humana.
Há uma face estética na dor que a torna, muitas vezes, no lugar-comum dos artistas.
A arte pode então ser uma confissão discreta de uma dor imensa, mas pode resvalar,
metamorfoseando-se na mise-en-scéne sentimental de alguém.
Estou amiúde sentimentalmente céptica em relação aos que
exprimem bem a sua dor. Sobretudo daqueles que fazem dela um poema.
Os grandes trágicos são mudos e choram no silêncio.