22.6.24

A Gaffe mapeada


Todos temos um mapa na alma.

Uma carta de viagens que foram exteriores e em que tivemos como parceiros aqueles com quem nos cruzamos. Agora, já metamorfoseada, já inscrita no interior do peito, desejamos a imutabilidade, a perenidade dos traços.

Paradoxal desejo este que, perante a visão certeira e contínua de um mapa em mutação constante, retém a vontade incontrolável de o vermos quieto, como se em vez de uma caótica carta de emoções guardássemos dentro colecções inteiras e catalogadas de fotografias.

Esta inominável dualidade faz com que cada momento de mudança, breve que seja, se encare como ponto final, um porto de chegada. O movimento é sentido, mas é retido o mover do seu mundo. Imobilizamos o instante e acreditamos, mesmo sem força, que aquele brevíssimo segundo, o último que vimos, é o que permanecerá no mapa desenhado.

Dentro de nós há lugares que desconhecemos por completo.

A dor abre-lhes as portas e só então percebemos que existiam desde sempre. Visitamos estes compartimentos revelados, povoamo-los de bricabraques de memórias e deixamos que o sol os invada e levante a poeira que continham.

A dor é desta forma similar a uma chave que sempre esteve na palma da nossa mão sem o sabermos. Os espaços abertos são redutos ignorados, ou bunkers invioláveis, até ao momento em que os percebemos nossos desde o início do tempo.

A felicidade é somente um corredor sem história por onde caminhamos sempre de costas voltadas para os nossos mais soturnos sofrimentos.

Creio que a ampliação da alma se faz apenas através da dor.

A ausência dela raramente conta histórias que fascinam.

A aliança não estranha, embora ocasional, entre felicidade e a ausência de Dor, amolece e amortece, atenuando o instinto de sobrevivência que é um dos motores da criatividade humana.

Há uma face estética na dor que a torna, muitas vezes, no lugar-comum dos artistas.

A arte pode então ser uma confissão discreta de uma dor imensa, mas pode resvalar, metamorfoseando-se na mise-en-scéne sentimental de alguém.

Estou amiúde sentimentalmente céptica em relação aos que exprimem bem a sua dor. Sobretudo daqueles que fazem dela um poema.

Os grandes trágicos são mudos e choram no silêncio.