2.6.24

A Gaffe a sorrir


Às vezes um sorriso é um terminal de frases que não se dizem porque começam e acabam dentro dele.

A minha irmã sorri, dissolvendo o incómodo de não se ouvir um som no cumprimento. Depois tudo se torna mais fácil. Como parece atenta, ninguém consegue perceber de imediato que ela não está a ouvir. Confunde-se então mudez com silenciosa disponibilidade, com compreensiva cumplicidade, com atenção fraterna, e desdobram-se mapas de conversas, extensas pradarias de palavras, desérticas confidências e chuvosas lamúrias, até que o sorriso se torne suspeito ou até que o enfado chegue num sussurro e a minha irmã desvende o segredo de tamanha atenção. A indiferença.
A surpresa é evidente e tem a função de a libertar no momento certo dos que a incomodam. Diverte-a este jogo.

O meu modo de sorrir é diferente. Alastra pela casa fora até tocar o espaço das suspensas beladonas encerradas que continuam a verter o aroma sobre mim. Nada é tão frágil, tão mortal. O desaparecer do meu sorrir, a sua morte, é para os outros um leve pousar de névoa, um ténue entardecer de tule, como se o retirassem em braços, ou em penas, de dentro de casa e o levassem para longe dos jardins suspensos. Volta para olhar para as beladonas.

No intervalo de tempo sem sorrisos nunca há um texto.