18.7.24

A Gaffe por condecorar


Tive o mais embaraçoso dos pesadelos de que há memória.
Descontraída e etérea, no aconchego das minhas mais íntimas e prosaicas tarefas, leio a revistinha onde é fotografada a aventura de Leonor de Espanha por terras onde falta o salero e abunda a condecoração e descubro de súbito que estou sentada a fazer xixi numa sanita daquelas casinhas IKEA.

Duas princesas, sendo que a de Borbón y Ortiz foi condecorada pelo presidente com a grã-cruz da Ordem Militar de Cristo que distingue destacados serviços prestados ao país no exercício de funções de soberania, mas que nesta altura é apenas um beijo e um abraço à nossa amizade para sempre.

Estes afectos movem presidentes.

A Gaffe admite que abraços e beijos conduziram a uma dúvida daninha que roeu a imagem que esta rapariga esperta guardava, ainda que esbatida, do senhor presidente.

O povo que o senhor presidente beija e abraça e diz defender, responde positivamente à carência de popularidade do senhor presidente, mas não é um povo carente. É um povo desesperado, espoliado, só, isolado, queimado, na miséria, sem apoio e com uma estrutura administrativa cravejada de burocracia, mas que encontra dentro da desgraça o velhíssimo espírito português - ou alma lusa, como vos aprouver e seja lá o que isso for -, com força para plantar todos os pinhais de caravelas de coragem.

O afecto dado, arregaçado e babado, à princesa menina que o senhor presidente dos afectos condecora, transforma-se numa macacada pacóvia que atinge demasiados espaços do apelidado universo português reduzindo-o a uma sanita daquelas casinhas IKEA, a uma amorfa cambada de cretinos parolos, sem critérios que não sejam os dominados pelo livrinho de autógrafos e pelo poster moncoso, foleiro e palerma, colado a força de saliva na parede da mediocridade.

Na fotografia -Barbara Dobbins por Edward Clark, 1951