A mulher de cabelo preto e mamas fartas abre a janela e vomita a colcha vermelha com flores bordadas a laranja. Tem lábios escarlate e o peitilho do avental cor de açafrão. Sorri. Vejo-lhe os dentes brancos e a luz dos olhos derrubada no parapeito de pedra.
Esta é a cidade que traz mulheres fartas, roliças, avultadas, de cabelos negros e lábios ferozes, à solta nas ruas. Exibe-as, como se exibem rosas ou rezas vendidas ou como se delas dependesse o pão que passa quente nas mãos dos rapazes de branco em frente do Palazzo.
Esta é a cidade em que abro os braços. Em que um rapaz me persegue pela tarde e que sorri quando eu o olho e que me foge sempre que sorrio e que me surge depois numa outra rua, de mãos nos bolsos a exibir o impudico olhar esverdeado.
Esta é a cidade onde palmilho ruas e onde em cada rua sou perdida e onde em cada esquina o meu corpo é lavado com a água do olhar garrido das mulheres e a alfazema que é o cheiro dos rapazes, presos por pestanas ao meu dardejar.
Esta é a cidade onde desço a noite pela luz soturna que se beija à toa no vão duma porta.
Esta é a cidade onde palmilho ruas e onde em cada rua sou perdida e onde em cada esquina o meu corpo é lavado com a água do olhar garrido das mulheres e a alfazema que é o cheiro dos rapazes, presos por pestanas ao meu dardejar.
Esta é a cidade onde desço a noite pela luz soturna que se beija à toa no vão duma porta.
Esta é a cidade onde uma mulher de cabelo preto, de lábios carmim bordado a laranja e um rapaz que morre abandonado no vão duma porta, vermelho por dentro, nos atiram as colchas das frases dos olhos e nos falam do deslumbramento e da ferida que é saberem-se belos.
Ilustração - Daniel Merriam
Gafffe - 2022