A nossa vida é um lugar-comum,
uma frase-feita numa praça em Veneza. A luz do entardecer humedece a cor do meu
cabelo e o chão de pedra cinza entra-me nos olhos.
Construímos a vida com os
estilhaços da vida dos outros. Sem eles, longe deles, resta uma praça em Veneza
e um cliché.- Posso aiutarla?
Acendem-se os primeiros candeeiros. Se me levantar, caminharei para o centro da Praça e serei previsível. Há vento no azul da Praça e é previsto que o tempo não melhore.
- Posso aiutarla, signorina?
Acendem-se os primeiros candeeiros. Se me levantar, caminharei para o centro da Praça e serei previsível. Há vento no azul da Praça e é previsto que o tempo não melhore.
- Posso aiutarla, signorina?
A nossa vida mora dentro das horas dos outros. Sem esse tempo, ficam as garras e a magnitude do perigo que provocamos com a indiferença dos bichos que matam por ser deles a sina de matar.
- Posso aiutarla? - insiste no vento do azul da Praça que o tempo não melhora. Gostava que se calasse ou ter a minha vida aqui, comigo feita, mas são pedaços que tenho e é dos outros o que comigo trago. Eu tenho dentro apenas o instinto de os unir.
- Posso aiutarla?
- Posso aiutarla? - insiste no vento do azul da Praça que o tempo não melhora. Gostava que se calasse ou ter a minha vida aqui, comigo feita, mas são pedaços que tenho e é dos outros o que comigo trago. Eu tenho dentro apenas o instinto de os unir.
- Posso aiutarla?
Não vale a pena olhar. Aceno com a cabeça e ele vai embora. A mesma Praça, o mesmo hotel e eu sem vida.
É previsto que o tempo não melhore.
É previsto que o tempo não melhore.
Gaffe, 2022