Gaffe desconhece se chegados aos trinta - e poucos - não se atravessa uma crise existencial que anuncia a dos cinquenta. O certo é que esta rapariga anda sartriana e capaz de questionar tudo quanto lhe diz respeito, muito quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem me esqueci.
Num assomo de melancolia misturado com uma pitada de náusea e um cheirinho a rosmaninho vindo do jardim onde não passa, a Gaffe chegou a colocar em causa a sua permanência nestas Avenidas, optando por outras paragens mais zen, mais minimalistas, mais clean.
A Gaffe, em última análise, aborreceu este cantinho. Quer largar a tralha e ficar apenas de collants, qual cavalheiro de Giovanni Battista Moroni.
Alvitrou seguir as pisadas de Joana Vasconcelos e colar penduricalhos por todo o lado, ou revestir todas as paredes com rosetas de qualquer coisa Kitsch. Poderia com esta manobra despertar novamente o interesse de Berardo, senhor com dedo e olho, quer para obras-de-arte, quer para administradores de bancos, mas depressa percebeu que provavelmente o senhor já está bem forrado, bem estufado, bem almofadado e sem fato preto que é coisa de mafiosos de primeira linha que traçam lenços no pescoço - de preferência nos toutiços de bancos que serão resgatados da falência por aquela massa amorfa que é o povinho.
Pensou transformar as Avenidas num manancial de bisbilhotice, de estardalhaço, de exposição, de expiação e de espionagem de toda e qualquer privacidade, publicando ensandecida tudo o que conseguisse apanhar desprevenido e sem biquinho faceboquiano, mas depois considerou que se nem o moderníssimo Acordo Ortográfico interessa ao Brasil, jamais seria atraente qualquer coisa semelhante, ou seja, uma pobre ventoinha desalmada a atirar ao rosto das pessoas coisas iguais às que costuma escrever José António Saraiva - ou Margarida Rebelo Pinto nos seus melhores dias.
Outra possibilidade seria a de encarnar uma intelectual capaz de nos deslumbrar com páginas de aceso siso, de profundo pensar e de acutilante verbo poético. Muito Virgínia Woolf, muito Lispector, muito Agustina, ou muito Sophia. Infelizmente, a Gaffe não suporta o calor do Rio de Janeiro e jamais se deslocará à Real Biblioteca Portuguesa para ser fotografada em grande estilo mental, cerebral e internacional, agarrada a um livro numa atitude de profunda meditação, a olhar o horizonte, ou debruçada sobre a dor de Rui Moreira por mais um acidental hostel do outro lado da vida portuense - sei que estás em festa, pá -, de preferência na casa de Garrett, que permitirá, mais cedo ou mais tarde, a inauguração de mais um outro modernaço.
A Gaffe, como se prova, também não consegue um comentário político em condições.
A crise dos trinta - e poucos - atinge a Gaffe e deixa-a exaurida e sem saber o que fará depois de tudo arder e com medo de entrar depressa nessa noite escura.
Abre Lobo Antunes para relaxar e ficar tudo como está, que o Nobel escapou há muito.
Assim como assim, já não se entende nada no cá fora.