23.9.24

A Gaffe garbosa

 

There are many things in your heart you can never tell another person. They are you, your private joys and sorrows, and you can never tell them. You cheapen yourself, the inside of yourself, when you tell them.

Greta Garbo

Li há muito pouco tempo uma espécie de biografia de Greta Garbo.

Digo espécie porque é idiota pensar que alguém pode entender o que foi esta mulher e descrever com alguma exactidão o seu percurso, as suas vivências e aquela modalidade de Fado distante e gelado que sempre a acompanhou.

O interessante é que a dada altura é narrado o episódio em que a actriz revela um dos seus segredos. Em Ninotchka, de 1939, dirigida por Ernst Lubitsch, Garbo não consegue a expressão que o realizador exige para determinada cena. Repete-se até à exaustão o take e a actriz reconhece que não é capaz de reproduzir no rosto aquilo que Lubitsch acha necessário. Nenhuma expressão é a exacta.
Garbo desiste e decide não fazer qualquer expressão. Nenhum músculo se move. O rosto permanece imóvel, impávido, isento de qualquer poeira de emoção ou reprodução de sentimento e é então encontrado o registo certo. Parece que Lubitsch teve um orgasmo - não documentado.

Isto é fascinante. O rosto impávido de Garbo torna-se máscara onde é possível inscrever todas as emoções que transportamos e serve, como um espelho, cada uma das miríades de partículas de emoções latentes em cada um de nós.

Garbo é um Mito também por isto. Por se ter tornado o rosto que a alma que cada um de nós quer ver ao espelho.

Olho para Garbo e lembro-me da história que contavam.

O segredo do rosto de Garbo é - talvez seja -, simplesmente o facto dele, rosto, residir na plataforma das máscaras e como tal poder ser lido através de projecções.
Olhar para o seu rosto, sobretudo quando silencioso, é desbravar as infinitas possibilidades da dignidade e da dimensão humana.

A tentação da máscara - a máscara antiga, por exemplo - implica talvez não tanto o tema do oculto - caso das mascarilhas italianas -, como o de um arquétipo do rosto humano. Garbo dava a ver uma espécie de ideia platónica da criatura e é isso que explica que o seu rosto seja quase assexuado, sem todavia ser ambíguo.
 
O rosto de Garbo é a encarnação da Ideia.