6.9.23

A Gaffe no rescaldo


As Jornadas Mundiais da Juventude realizadas num Agosto de Lisboa, foram de retorno curcunspeto, espiritual e pio, segundo informação que a Gaffe não se importa que não seja fidedigna, porque é cristã.
A Gaffe está radiante, embora reconheça que esta não foi a razão usada para fazer disparar o fervor nervosinho de Moedas. Apesar de ninguém como Marcelo consiguir arrancar ao abanão os braços do Papa, temos de reconhecer que Moedas é exímio  na genuflexão - que sabemos ser o horror quando mal executada.

A Gaffe adora excentricidades e o Vaticano é uma galáxia no que diz respeito a estes pequenos desvios à rotina sensaborona.

Lamenta, ontem como hoje, que o chefe de Estado amarelo e branco seja uma espécie de pároco bonacheirão, que não se cansa de dizer coisas óptimas de bondosas, muito faceboquianas e que a Gaffe diria com facilidade, desde que lhe cedessem o palácio a título vitalício, lhe entregassem uma honra qualquer vagamente renascentista e lhe chamassem Sumo - magríssimo, não aquele japonês de penteado giríssimo, que anda de fio dental todo decorado a empurrar o parceiro de modo um bocadinho teimoso e inútil -, mas admite que as extravagâncias que brotam dos mármores de Carrara - e sabe Deus mais donde - que forram as assoalhadas do Vaticano, são maravilhosas.

A Gaffe considera, por exemplo, uma ternura ser uma dúzia e meia de velhinhos a eleger outro velhinho para se alapar no trono de Pedro e usar a tiara papal que - dizem as más línguas e Francisco que a recusa -, não faz pendant com o colar e os brincos. A Gaffe julga divinal o velhinho eleito ter competência para repensar pedofilias, escrever encíclicas imensas numa língua defunta, visitar de avião os pobrezinhos, emanar coisas em latim dirigidas a milhões de súbditos que as não sabem ler e conseguir ir a casamentos vestido de branco sem afrontar a noiva e quebrar o protocolo.

A Gaffe pensa que é um mimo de chic ir de vez em quando à varanda acenar às multidões embevecidas e lamentar tristonho e muito circunspecto aquelas coisas desagradáveis que os mortais sofrem de quando em vez - a guerra na Ucrânia e o calor que faz, por exemplo.

A Gaffe acha um milagre que se reconheça que se conseguiu durante tempos infindos fazer desaparecer numa paróquia mais esconsa um companheiro de aventura cardinal que se empolgou em excesso na sacristia, catequisando, com punho hirto e duro como barra de ferro, aquelas coisas mais pequenas que não querem rezar condignamente.

A Gaffe considera obra do Espírito Santo ser-se capaz de governar um banco apenas com esmolas dos tão crentes e transformá-lo sacramente num dos mais poderosos e influentes manipuladores das finanças mundiais – com inclusão das finanças dos mafiosos, dos tios das offshores e de outras ainda mais armadas.

A Gaffe considera um must andar empoleirado numa cabine telefónica com rodas, transparente e à prova de bala, com dezenas de matulões a correr ao lado, para não deixar cair a chamada.

Seja como for, a quantidade de mocetões acalorados - mais este e aquele, o outro e toda a gente -, que estiveram juntinhos nas Jornadas Mundiais da Juventude 2023, acabou em rezas muito proveitosas, névoas de sacrifícios, despidas penitências e é mais do que provável numa ou noutra aparição em qualquer gruta mais recôndita.

Apesar de existir sempre um certo cardeal - cardinal ou não - que só se abstém quando os ventos sopram nas batinas, opas, báculos e mitras, revelando a quantidade de hóstias que foi compilando e papando nas mais escuras capelinhas, em Portugal há sol e quando há sol, há Jornadas, e se há uma Jornada em cada vida, é preciso cantá-la assim despida, pois se Deus nos deu hóstias, foi p’ra as papar, e se um dia se há-de ser pó, cinza e nada, que seja o paraíso uma noitada que se deixa perder para pecar.

Gerhard Haderer
Os aplausos unânimes ao Papa Francisco deixam a Gaffe muito intrigada, para mal dos seus pecados.

Esta rapariga esperta confessa que não hesita em trocar os seus Jimmy Choo por uns chinelinhos mais simples, substituir os brincos Cartier por uns pechisbeques chineses e abandonar os seus casaquinhos Dior passando a usar umas coisinhas mais em conta, se lhe assegurarem que a elevam ao estatuto de estrela.

A Gaffe promete que passa a fazer uma data de declarações de boas intenções - mesmo sabendo que nos cantos escuros da vida qualquer declaração é parda -, que dá beijinhos aos pobrezinhos, lava os pés uma vez por ano a três ou quatro eleitos devidamente preparados com antecedência pela sua esteticista, pedir uma série de imensas desculpas a todos os abusados nos recantos esconsos das sacristias e empurrar os matulões que lhe protegem os flancos só para poder mostrar as frentes ao populacho, se lhe garantirem a aclamação total e consumada glória.

Não garante contudo transformar-se em Santo Pároco por muito amorosa que seja esta condição.

O erudito e mal compreendido Bento XVI apoiará a sagração da Gaffe como papisa, porque após a eleição a nova papisa, que adoptará o nome de papisa Pia - soa bem esta espécie degradada de cacofonia! - Pi para os amigos, 3.14 para os seminaristas e P13 para os cépticos e para os pilotos de caças, retomará as tradições vaticanas embora com ligeiras actualizações.

Vai continuar, embora não desdenhe as propostas da Casa Chanel, a vestir Armani depois de lhe pregar dois pares de estalos por ter desenhado as batinas brancas curtas demais.
Vai permitir-se usar um colar de rubis e mandar limpar a tiara papal para usar nas férias em Castelgandolfo.
Quer passar a ostentar óculos Roberto Cavalli, gigantescos para parecer uma mosca anfetamínica, sapatos vermelhos, Prada, mas com laçarote, e declarar o estado de sítio no Vaticano de modo a não ser perturbada enquanto ensina o catecismo aos noviços que terão de ser sempre inspeccionados por si antes de receberem a paróquia.
As suas encíclicas serão em francês e muito curtas porque o papel onde as escreverá será desenhado pela Casa Dior. Serão muito informais e muito rápidas de ler - só uns bilhetitos a mandar beijocas -, porque o que interessa é ajoelhar e rezar imenso.
Excomungará os pastorinhos por terem descrito a Virgem - agora da SUA família - empoleirada numa árvore e naqueles preparos.

É que nem de tailleur!

Decretará que todos os cardeais deverão usar sinalização luminosa cravado no rabo avisando que libertam gases tóxicos e uma pochette cardinal ou um nécessaire que incluirá obviamente fixador de dentaduras.

E que ninguém se dê à maçada de lhe falar da Inquisição, das Cruzadas, dos abusos sexuais e dos outros boatos enfadonhos mais ou menos actuais, sim?

O seu primeiro acto oficial será o de excomungar o Chicão, não o imberbe, mas o seu popular e consensual antecessor, porque sempre considerou que quando toda a gente pensa o mesmo, é porque ninguém está a pensar grande coisa.

O certo é que apesar do Vaticano não ter produzido calendários que dessem oportunidade às pessoas de emoldurarem a fotografia do velhíssimo papa emérito pendurando-a depois - ainda vivo - toda dourada na parede do hall, a Gaffe recorda com saudade o impacto visual deste seu querido alemão:

Ratzinger foi um papa injustiçado. A verdade é que tinha cara de quem o merece ser, mas compensava com uma erudição principesca, uma timidez incomum e um bom gosto irrepreensível.

Quando, por muito que pareça o contrário, não tencionamos ou não podemos mexer ou fazer mexer uma palha, convém que o façamos pelo menos a perceber que a diferença entre as normas protocolares - as formalidades do nada fazer -, e um sequestro, é que apesar de tudo podemos sempre tentar negociar com os sequestradores.

As quebras de protocolo do papa Francisco são amorosas e fofinhas. Evita usa aqueles sanitários transparentes em cima do automóvel e dá beijocas aos fiéis - esbardalhando a segurança que se vê grega, mesmo sem Troika, cheias ou incêndios, para o proteger -, não usa os paramentos e os adereços usuais que tanto ajoelharam Armani e Prada e junta-se em amena cavaqueira aos jornalistas a quem se dirige como se os ditos fossem velhos amigos a jogar dominó numa mesinha dos jardins vaticanos, à sombra da passarada chefiada pelo Espírito Santo - que já foi o dono disto tudo. 

A ausência de formalidade de Francisco é uma espécie de ingenuidade que acredita que o despojamento e a familiaridade cúmplice o tornam mais próximos do cumprimento da sua missão, mas que se esquece que existem José Rodrigues dos Santos por todo o lado, cheios de vontade de transformar num romance histórico uma frase de tonta coloquialidade ou de paralisar todos os gregos, esses trafulhas e corruptos, que passam pela porta de um Ministro da Defesa, como referiu outrora o citado jornalista

Ratzinger vivia em latim, o que complicava a vida aos jornalistas que apresentavam dificuldades sérias em experienciar a sua própria gramática, mas que implicava e produzia um distanciamento reverente que é essencial a uma imagem de marca que se quer sagrada, consagrada e capaz de convencer multidões das suas potencialidades e benefícios, mesmo que não possua nenhuns.

Embora acreditemos que se a Gaffe fosse polícia dos narcóticos não deixaria de revistar os ombros do sobretudo de Ratzinger, perfurando-os com um dedo para depois esfregar nos dentes o conteúdo - a Gaffe nunca entendeu como é que esta polícia não anda toda pedrada - a simplicidade franciscana do papa actual não é de todo persuasiva. Nunca se esperou que o Vaticano desatasse a empenhar os anéis para socorrer os pobrezinhos que de gestos simbólicos enchem a despensa desde os primórdios do tempo e não é usando apenas a batina costurada pela irmã Lúcia que Sua Santidade altera vocações, sobretudo a vocação do Vaticano. A Jonet que o diga.

É sempre mais convincente fazer que se faz alguma coisa, deixando tudo como está, se estivermos bem vestidos, diria Maquiavel se tivesse conhecido a Gaffe.

A bonomia e o despojamento de pároco de aldeia do papa Francisco não é, embora pareça paradoxal, sinónimo de aproximação ao povo que pastoreia. Engana apenas os carneiros que acreditam que na pele daquela ovelha não existe qualquer lobo.


A Gaffe não considera relevante referir os provadíssimos crimes e escândalos sexuais da igreja que abalam o planeta, mas a verdade é que já são passados e pr'á frente é que é o caminho do senhor.      

Pelo menos Ratzinger usava écharpes giras.