Seria conveniente alguém ser capaz de explicar a esta rapariga perplexa a habilidade e agilidade mental dos adeptos dos clubes de futebol que continuam de caras pintadas, aos urros, suados, empunhando bandeiras, tochas, isqueiros, camisolas, gorros, cuecas, gritando loas às equipas que em campo revelam que nunca se sabe se foram compradas ou se o árbitro está demasiado inclinado, em conchinha com o senhor presidente que no camarote faz com que dez mil euros bastem para construir um resultado.
Não se sentirão imbecis?
O grau de idiotice é proporcional à quantia investida. No andebol um jogador custa mil euros e, em consequência, o patamar de patetice do adepto é mais brando do que aquele que é atingido quando estão envolvidos dez mil futebolistas.
A Gaffe admite que sabe quais são as cores dos clubes. Verde e branco pertence ao Sporting, azul e branco ao Porto e o vermelho é benfiquista. O Académico – ou Académica? a falta que nos faz aqui o Bloco de Esquerda! -, é preto, ou preta – de cor negra, vá, que convém parecer correcta. O resto é cor a dar com tudo e a receber o que se oferece.
A Gaffe gosta apenas das coxas dos jogadores e regiões limítrofes e jamais entrará num estádio sem estar protegida pela sua guarda de honra.
Não sabe mais, esta pobre moça, pese embora se ter apercebido que todos os dias dez canais televisivos estão ao mesmo tempo a transmitir declarações e cometários de tudo o que mexe ou mexia - menos as da EDP -, esticando durante horas intermináveis o nauseabundo retrato de uma máfia de subúrbio que joga debaixo da relva a bola subterrânea da vigarice mais grosseira e mais estúpida, tendo em conta que se deixa escutar a torto e a direito, acreditando que encripta a batota com lirismos achocolatados.
É de sublinhar, no entanto, que a Gaffe se sentiu outrora empolgada com as velhas declarações de Ferro Rodrigues que atestando a sua vetusta indignação perante o descalabro futebolístico consegue encaixar uma notinha de porcina demagogia reportando-se ao trabalho de investigação jornalística relacionada com políticos, e com Marcelo que, por estranho que possa parecer, não compareceu no balneário de Alcochete para beijocar os jogadores agredidos pelos amigalhaços das claques. Uma falha que aquele menino que chora com um dói-dói na testa com certeza jamais esquecerá e que justificou uma debandada geral de atletas que se consolaram com os pensos rápidos das ofertas mais chorudas de mafiosos rivais.
Esta burlesca trapalhada não tem a qualidade exigida, pese embora o Bentley de Jorge Jesus. A corrupção não pode andar pelas ruas da amargura. Depois de conhecermos Dias Loureiro, Ricardo Salgado, ou mesmo Sócrates ou Rendeiro que - alegadamente - a colocaram no patamar das obras dignas de figurar nos anais da história - e sobretudos nos do povo -, não é de todo agradável assistirmos ao rebaixamento da corrupção levada a cabo por um bando de psicopatas sem educação ou sangue-frio, sem berço e sem finura, sem pose, que não sabem usar fatos Trussardi, mas convictos da importância vital que as molduras humanas dos estádios lhes fornecem.
Meus queridos, até para se ser corrupto é necessário berço. Para se ser corrompido, basta, nestes casos, uma chuteira e um ou dois golos fora de época.
A Gaffe sente-se exactamente como o seleccionador nacional que - com um allure de Bond parolo de sobrolho encarquilhado, ou com ar de quem tem urgência de acoplar uma sanita ao rabo -, declara sorumbático não ter palavras, nem adjetivos, para qualificar a situação.
A Gaffe também fica sem substantivos e mesmo os verbos escasseiam. Só se arranjam uns advérbios mixurucas que os adeptos podem usar quando se referirem às vezes em que acreditaram nas balizas.