Marilyn Monroe e Arthur Miller por Jeffrey Yarber |
Acabei por me render à evidência. Há muito pouca coisa mais saborosa do que um elogio de uma rival. Do que dela disseram, escolhi a opinião de outro deslumbre no feminino:
She sure registered on that screen. The minute the camera turned on her she became this incredible creature, and she was absolutely dazzling. She was-there’s no question about that. During our scenes she’d look at my forehead instead of my eyes. At the end of a take, she’d look to her coach for approval. If the headshake was no, she’d insist on another take. A scene often went to fifteen or more takes. Despite this I couldn’t dislike Marilyn. She had no meanness in her - no bitchery. She just had to concentrate on herself and the people who were there only for her… Fifty years on, we’re still watching her movies and talking about her. That’s not a dumb woman - trust me. - Lauren Bacall
Dizem que Bert Stern esperou por MM durante cerca de uma hora, para a fotografar. Desistiu. Meteu-se no elevador e nem sequer sorriu para a mulher que ali se encontrava de lenço na cabeça e casaco grosso de Inverno. A mulher pediu-lhe desculpa por se ter atrasado. Tinha ficado presa no trânsito. Era MM.
Esta ruptura entre a imagem e a pessoa parece recorrente em MM. Arthur Miller conta que passeava com MM sem que a reconhecessem. Isso intrigava o senhor, embora existissem cópias da mulher em todas as esquinas. MM um dia explicou o mistério. Perguntou-lhe se a queria ver reconhecida. Afastou-se dele e subitamente começou a mover-se como só MM sabia. A multidão acorreu aos gritos.
Só uma mulher muito inteligente consegue ser infeliz desta forma
Só uma mulher muito inteligente se permite, porque perto de inteligência que acredita superior - e que esbate a sua, tornando-a quase desnecessária -, abdicar da aura mítica que a rodeia, de uma espécie de inacessibilidade entregue pela insinuação que nunca é evidência, para finalmente assumir a carne como acto de liberdade pensada, aliando-a ao brutal erotismo do instinto dos bichos.
Creio ser esta fotografia de MM uma das mais poderosas do seu historial. Nela o erotismo - raramente ligado a imagens estereotipadas -, é também, e sobretudo, uma inteligente insinuação do que no inconsciente nos é comum. O estereótipo é uma das mais básicas formas de comunicação e apenas exige a inteligência da síntese mais básica e a abrangência do banal. Para que exista erotismo, é preciso que o pensamento esteja presente, não como força redutora ou generalizante, mas como elemento capaz de tornar único e individual, mesmo subjectivo, aquilo que existe numa imagem arquetípica.
Só uma mulher muito inteligente consegue ser carnal desta forma.
ACTUALIZAÇÃO - Recebo, entretanto, de um muito querido compagnon de route a prova de que Monroe era, entre todos os seus belíssimos universos, uma decoradora miserável, abominável e assustadora. Admira que não tenham classificado este facto como contributo significativo para a sua morte.
É sempre delicioso descobrir que nem tudo são rosas nos jardins suspensos da perfeição. Também há cocó de cão.