5.5.22

A Gaffe em casa


Esta casa foi adquirindo uma entidade própria e uma determinação indómita. Foi, enquanto o tempo avançava, sobrepondo o desejo das pedras à vontade dos donos de modo que se deixou de perceber quem dominava quem. Como no poema, o senhor torna-se servo, por amor.

Esta casa foi construindo as ordens, foi solidificando o poder da pedra sobre a carne, foi erguendo o seu esmagador domínio sobre os que a deixaram de ter, porque ela os tem.

Decide quem entra, escolhe quem será expulso e responde agressiva àqueles que sem o seu consentimento se atrevem a passar. Nunca passam se forem ameaça. Nunca passamos se lhe causarmos ciúmes. Não somos acolhidos se arriscamos o amor dos que são dela.

A casa contém o interdito e cuida dos fantasmas. Não permite a invasão da mais ínfima partícula de Esperança. Impede a luminosidade dos pássaros e a cumplicidade dos amantes.

Como se ficássemos sempre a dois palmos do portão.

Deixamos há muito de ter alguém a combater as pedras.