18.7.22

A Gaffe acalorada

O calor é imenso, asfixia e empurra-nos para a sombra gigante das tílias do jardim.
A minha mãe, de Proust no regaço, embala o sono no tempo decididamente perdido. De vez em quando mergulha os dedos na seda severas do cabelo loiro e beberrica água gelada com gotas de limão.
A minha irmã esgadanha o calor agitando a Vogue americana com uma fúria demente como se tentasse soltar das páginas revistas um modelo qualquer do Inverno que vem. Suspira e abafa, rumoreja impaciência.
A minha prima, repleta de tédio, abandona o portátil sobre as almofadas de tela grosseira, na cadeira de verga, e acende um cigarro morto de calor.
Eu espero que as formigas não ataquem, trepando à mesa e cravando o ódio acicatado pelo sol nas madalenas que ninguém pediu.

À distância observo o rapaz que chega do povoado para cuidar da relva. É bajulador e usa com perícia a falsa simpatia de quem sabe que vai ser bem pago.

A canícula afrouxa-me os sentidos e nenhuma promessa atabafada me desperta.
O dia passa com a lentidão da história.

Entretanto, como no passado, há tempo para se morrer devagarinho.