Peter Paul Rubens |
Apoia o queixo na palma da mão, com a cabeça ligeiramente inclinada e o cigarro em brasa demasiado próximo das ondas brancas do cabelo. A luz reflectida na pulseira de oiro larga, fechada por um minúsculo cadeado, projecta uma pequena forma ovalada que não sossega, agitada como uma menina que desfaz as tranças a baloiçar na inquietude. Às vezes, no colarinho branco, o pequeno reflexo luminoso parece uma joia intemporal e frágil, intocável, segura ao tecido pela serenidade que surge quando a minha avó fica mais atenta ou como um insecto de luz que pousa atraído pela brancura incendiada da camisa.
A senhora recorda transgressora a
noite em que o viu pela primeira vez a nudez masculina.
- Há homens, minha querida, que fazem da nudez uma caverna. Outros há
que dela fazem céu aberto. No entanto, a timidez é o último reduto dos
despidos.
- Como a terra dos homens perseguidos? – Lembrei-me dos
Santuários dos foragidos medievos, da imagem breve de um homem desgraçado pela
multidão a despenhar o corpo nas pedras de uma catedral e a despojar a alma
toda macerada num derradeiro uivo salvador.
- Um Santuário? – A minha avó sorve o fumo do cigarro. O
insecto do oiro da pulseira outra vez inquieto.
A senhora e o silêncio debruçado
sobre mim.
- A ideia de Santuário sempre me agradou. A última promessa, a
derradeira exalação da esperança, o torniquete suspenso por um espaço físico
intocável. Mas a nudez não é essa espécie de cadáver adiado que procria.
A senhora contradiz o aforismo.
- A nudez abrevia os homens. Ficam sós diante dos espaços que os
circundam e a solidão tem o corpo que eles despem. Nus, resumem o que temem no
descampado do corpo que revelam e a timidez é o coração do medo, o último
reduto onde eles tombam, mas que não tem a essência do que salva.
A minha avó sorri e atira o
fumo devagar, em fio, de encontro ao reflexo da pulseira que parou, depois
acaba:
- Nu, o homem descobre se tem asas de falcão ou de morcego, mas é
sempre um outro olhar a proteger-lhe o voo. O Santuário, minha querida, é
sempre uma mulher.