Sophie Litvak por Georges Dambier -1952 |
Fui ontem buscar o meu Amigo ao centro do Porto.
O local de encontro, escolhido por mim, permitia que o visse ao longe chegar. Teria ele de atravessar toda a Avenida, subindo pelo que Siza desenhou sem contar que um dia uma ruiva, no descampado em pedra batida pelo frio, esperaria desprotegida pelo vagaroso Amigo.
A paisagem urbana, a paisagem humana nos burgos, por muito pobre e dispersa que seja, tende para a uniformidade, procurando incluir e assimilar as partículas estranhas e desconhecidas, preferindo não correr riscos com uma exclusão demasiado evidente ou escandalosa discriminação, mas não ousando reconhecer a diferença como mais-valia e contributo bravo para a diversidade.
Esta fagocitose social, característica visível das pequenas multidões, quando não realizada de forma capaz, pode nelas provocar uma variante curiosa de fascinação, mesclada por temor, a que vulgarmente chamam carisma, glamour, charme e outras balelas que não passam de diminutos resultados logicamente colhidos nas magníficas operações da inteligência.
A imagem longínqua do meu Amigo, de barba agora rasa, de ébano, de olhos perdidos e fundos e meigos, é impossível de fagocitar por quem quer que seja.
Aproxima-se lento como se houvesse tempo para tudo.
Inclino-me e faço uma vénia digna de Versailles e de fazer rolar, mais uma vez e desta vez por amor, a cabecinha tonta de Antoinette.
- Mon Prince!
Este homem sempre gostou destas pequenas parvoíces públicas.
- Não te dás conta da atracção que exerces sobre os outros?! - espanto-me quando vejo que, só para o ver passar, até o cão vadio estanca a pata que tentava erguer a custo zero.
Desfaz-me a vénia e pousa o braço nos meus ombros. Sempre o fez isentando o gesto de ambiguidade e tornando-o claro, lógico e bonito.
Obriga-me a caminhar e numa faísca olha para mim e declara absurdo:
- Sabes que na tua casa não há nenhuma laranjeira?! Perguntei a toda a gente. Não há, nem nunca houve.
A paisagem urbana, a paisagem humana nos burgos, por muito pobre e dispersa que seja, tende para a uniformidade, procurando incluir e assimilar as partículas estranhas e desconhecidas, preferindo não correr riscos com uma exclusão demasiado evidente ou escandalosa discriminação, mas não ousando reconhecer a diferença como mais-valia e contributo bravo para a diversidade.
Esta fagocitose social, característica visível das pequenas multidões, quando não realizada de forma capaz, pode nelas provocar uma variante curiosa de fascinação, mesclada por temor, a que vulgarmente chamam carisma, glamour, charme e outras balelas que não passam de diminutos resultados logicamente colhidos nas magníficas operações da inteligência.
A imagem longínqua do meu Amigo, de barba agora rasa, de ébano, de olhos perdidos e fundos e meigos, é impossível de fagocitar por quem quer que seja.
Aproxima-se lento como se houvesse tempo para tudo.
Inclino-me e faço uma vénia digna de Versailles e de fazer rolar, mais uma vez e desta vez por amor, a cabecinha tonta de Antoinette.
- Mon Prince!
Este homem sempre gostou destas pequenas parvoíces públicas.
- Não te dás conta da atracção que exerces sobre os outros?! - espanto-me quando vejo que, só para o ver passar, até o cão vadio estanca a pata que tentava erguer a custo zero.
Desfaz-me a vénia e pousa o braço nos meus ombros. Sempre o fez isentando o gesto de ambiguidade e tornando-o claro, lógico e bonito.
Obriga-me a caminhar e numa faísca olha para mim e declara absurdo:
- Sabes que na tua casa não há nenhuma laranjeira?! Perguntei a toda a gente. Não há, nem nunca houve.
Depois caminhamos juntos devagar, em sintonia.
Primeiro os pés esquerdos avançavam, depois os outros, os direitos, depois os olhos, depois os batimentos dos nossos corações perfeitamente audíveis, depois a sensação de já não esperar nada, de estar ali apenas porque os dois vivemos e isso já bastar.
Sentia a sua mão a proteger-me os ombros, deslizando sobre a minha alma e percebi que nunca tínhamos sido tão cúmplices como naquele instante. No instante em que o seus olhos se levantaram sem grades e me consentiram ver que tinham a consciência de que sabiam que eu nunca tinha existido sem o amar.
Por isso, vou mover o mundo e, mesmo arriscando a vida nas feiras e mercados, vou procurar comprar, sem saber se há para vender, a laranjeira.
Descubro que, eu e este gigante, partilhamos a mesma dolorosa característica. Ele, sem consciência escandalosamente nenhuma desse facto, passa lento e devagar se esfuma. Eu, atenta a tudo, com a perfeitíssima noção do meu isolamento perante as multidões, uso e abuso daquilo que os deuses me ofereceram: a solidão doirada.
Os dois invariavelmente unidos, não conseguimos impedir o Amor obsessivo e dominador de uma Solidão apaixonada.