Ed van der Elsken |
A minha memória alberga algumas imagens que dificilmente poderei traduzir.
São sempre deslumbrantes, que as más empurro para longe, desmembro e enterro nos ermos da minha alma.
Uma dessas luminosas recordações tem a minha mãe como uma das personagens principais.
Vejo-a embevecida abraçada à cabeça do meu irmão que arde em febre.
Pálido e indefeso, o homem tinha adormecido e a minha mãe olhava aquele gigante que escaldava, dócil e agreste, que lhe tinha pousado no regaço.
É uma imagem muito próxima da iconografia do sagrado.
Há muito de ilusório nesta memória, porque, como diz o meu amigo, sempre que recordamos uma coisa, tornamos a vivê-la de modo diferente, mas aquela tarde em que a febre não baixava e ameaçava incendiar a casa e em que a minha mãe se transfigurou e mais uma vez revelou uma alma capaz de servir de colo, vai ficar no meu peito como a medalhinha de ouro que se traz ao pescoço presa num fio.
Há memórias que são como orações.