13.3.23

A Gaffe longínqua

Paris - vista de Montmartre

Talvez os lugares não mudem. Talvez mude apenas a forma como os esquecemos.

Sei que me alterei.
Já não é Saudade o que Paris me entrega. É outro som parecido. Uma outra voz que chega das ruas e vielas, das pontes, das esquinas e das casas, dos muros, dos cantos e ruelas, das arcadas.
Uma outra voz a percorrer-me a alma a dizer que me alterei, que não sou mais a rapariguinha que noutra voz ouvia a alma toda de Paris e que a desfez de encontro à luz que vinha nas tardes em que o som era só seu.
Paris já não terá a voz que vinha e eu não terei a mesma luz que ouvia.
Olho agora Paris como a mulher que descobre que o lugar imenso nos olhos da criança não passa de uma pequena esfera de poeira.
A memória é agora um lamento prolongado e manso, um suave entardecer inócuo, a manta na cadeira do café, uma tristeza que passa como se tivesse um corpo esmaecido e atravessasse a rua devagar, para o outro lado.
Paris, a que perdi, guardada no meu peito, esmoreceu na perda. Não distingo os traços dessa dor, já não a reconheço e trago um alfinete a picotar-me a alma por ter abandonado o espanto que foi sentir-me longe.
Sei que Paris é mais pequena agora do que dantes e que eu cresci no espaço desta míngua.
E no entanto, Paris paciente espera por mim, para me mostrar, mal chegada, a melancólica procissão de outra saudade composta só por mim, porque é de mim que a tenho, que a dor maior não se partilha e o andor que levo não tem peso ou tem o peso que os meus ombros dizem.
Sou menina despida que passa nua pelas avenidas sem ter o rapazinho que anuncia a ausência das capas de veludo.

Paris?

Paris envelheceu à espera das vadias.