22.4.23

A Gaffe peregrina



Descubro que há diversos e distintos modos das pessoas que mais amo caminharem comigo. Uma espécie de diz-me como caminhas, dir-te-ei quem és, majorada pelo coração.

A minha mãe, namoriscando, tomba presa no meu pulso, como uma breve e minúscula pulseira de oiro batida pelo sol.
O meu pai caminha comigo como se eu fosse um alfinete de gravata: dispensável, mas que se quer mostrar, porque se ama.
O meu irmão deixa que me encoste a ele. suspensa nele, envolve-me. Prende-me ao seu corpo como serena trepadeira, mimada, terna e doce. O muro é sólido. Sei que posso deixar que as folhas se espraiem sem medo ou queixume.
A minha irmã leva-me com ela, mas nunca vem comigo.
A minha prima pendura no meu braço o seu corrosivo humor, a sua indomável inquietude e a sua irresistível obstinação e rebeldia e transforma-se na mais aventurosa das cúmplices, na mais destemida e perigosa aliada de caçadas e devassas.
O rapagão é bem maior do que eu! Caminha comigo e sei sempre onde piso. É como ter um mapa e uma bússola, sextante e astrolábio. Sabemos onde fica a estrela certa.

Esguia, delicada, delgada e subtil, mina avó jamais poderia amaldiçoar as suas inexistentes gorduras, flácidas rotundidades ou circular corpulência, mas a fogueira que insistia em atear nesses passeios tinha como único objectivo o calor cúmplice, exclusivo, que se criava entre ambas.

Mas só o meu avô sabia caminhar sorrindo devagar para a minha vida.