9.6.23

A Gaffe de Joana Vasconcelos


A Gaffe já tinha ficado por momentos perplexa quando Joana Vasconcelos, depois de um fervoroso, caloroso e dinâmico discurso de apoio, saiu da frente de um painel do partido Socialista até ali coberto pela envergadura da artista, que, como sabemos, não se priva de tamanho.  

Joana Vasconcelos, antes de ser gaseada por aqueles que já perderam a paciência para lhe aturar os bules de grades de varanda, os corações de colheres de plástico - deste a Gaffe gosta -, os lustres de tampões e os sapatos com os tachos que vai mandando soldar, decidiu prevenir-se e, com o talento que a caracteriza, ofereceu o seu apoio ao partido de António Costa.

A Gaffe sempre acreditou que a rapariga, tanta vez no passado visita de Belém, planeava forrar a crochet Cavaco Silva, construir uma Nossa Senhora de Fátima com os presépios da primeira-dama ou convencer Cátia Guerreio a esbardalhar um fado no cacilheiro forrado a cacos.

A Gaffe sempre assistiu ao corrupio dos agentes cultos dos partidos do governo que funcionavam com cauda dos sacos coloridos com coisas coladas a que Joana Vasconcelos nos habituou a ver usar nas suas vernissages e não pode deixar de aplaudir a resignação desta elite cultural que se foi vergando sob o peso das obras de Joana incensada.

Esta rapariga não está, de todo, contra a arte industrial ou arte industrializada. Cristo cobria monumentos com telas gigantes, Spencer Tunick cria aglomerados de nus e Andy Warhol, diz quem sabe, foi pioneiro nesta tão interessante vertente artística e, apesar de muitíssimo mais discreto que Joana Vasconcelos, também fez da sua conta bancária uma repetição exaustiva de zeros - válidos e chorudos.

A Gaffe não condena a resignação da artista à ordem de Versailles de não expor o lustre de tampões. Uma rapariga tem de fazer concessões se quer ter umas garrafas empilhadas nos jardins de um palácio, esticar rendilhados em cães de louça e nos sardões de Bordalo.

Não importa nadinha com o facto de Joana Vasconcelos ter feito António Costa aceitar que as oportunidades surgem das ocasiões e não das convicções e acreditar que ornamentar o Rato com uma gigantesca minhoca de trapos coloridos e plumas na cabeça, catapultaria o roedor, elegendo-o predador de topo.  

O que a confunde esta rapariga invejosa é o descarado sentido de sobrevivência de Joana Vasconcelos.

No entanto, a Gaffe dá o bracinho airoso a torcer, declarando gostar muito do Bolo de Noiva patrocinado por Lord Rothschild – o dono da obra, em derradeira análise -, e que figura em Waddesdon Manor.

 

Vamos então ouvir:

"Bolo de Noiva" é um edifício de 12 metros de altura revestido de azulejos e peças decorativas vidradas da Fábrica Viúva Lamego que foram colocadas no exterior como se fossem uma decoração de pastelaria. As peças incluem sereias, golfinhos, velas, fontanários e querubins. Cada piso tem uma cor diferente: o primeiro piso é verde, o segundo azul, o terceiro é rosa e o último andar é amarelo. O interior está decorado com estátuas de Santo António, uma referência aos casamentos que se espera que venham a ser realizados no interior. No último andar, duas escadas paralelas permitem aos noivos chegar ao mesmo tempo ao topo, simulando o tradicional adorno de cerâmica dos bolos nupciais. No total, foram usados cerca de 25 mil azulejos, 1.238 peças de cerâmica e 3.500 peças de ferro forjado, tudo produzido em Portugal e desmontado para ser transportado para Inglaterra. O tamanho tradicional dos azulejos de 14 por 14 centímetros determinaram o tamanho da estrutura, cujo diâmetro de 11 metros é o círculo mais pequeno que pode ser feito com azulejos inteiros.

A peça é kitsch até à sedução. Joana Vasconcelos acertou na mouche e no milionário.

O que volta a criar algum atrito a esta ruiva tão solteira é ter sido comunicado que a inauguração oficial da obra será encabeçada pelo Presidente Marcelo, a 15 de Junho. No âmbito de uma visita ao Reino Unido para celebrar os 650 anos da Aliança Luso-Britânica, Marcelo vai aproveitar e beijocar a artista.

Vai inaugurar o Bolo, porquê?

A Gaffe, numa mimosa homenagem a Joana Vasconcelos e singular tributo a Marcelo, já ordenou às suas costureiras que lhe produzam uma máscara para se proteger do cheiro gorduroso do oportunismo.