4.9.23

A Gaffe no presente


O momento de enlevo poético foi da responsabilidade de um querido amigo nova-iorquino, pai há três meses, que na tarde de já com promessas de mantas nos joelhos e paisagens avistadas da varanda de chá quente e biscoitos de manteiga, se derreteu:

- O meu filho fica horas completamente absorto a olhar as folhas das árvores a oscilar.

A imagem de um bebé pasmado com o bulício do Outono silenciou a temperatura e fez aparecer sorrisos mudos de ternura nas testemunhas da narrativa poética do desabrochar bucólico do petiz.

O momento, que fez parar o tempo, estilhaçou-se quando a minha prima, monocórdica e de olhar fixo, decidiu que tinha também de partilhar connosco o seu transportamento:

- Não me lembro se desliguei a torradeira.

As conversas rebobinaram de imediato e o barulho do chá e das bolachas reiniciou a tarefa de amornar palavras.

No entanto, o episódio desperta algum interesse.
No olhar pasmado do bebé há nada mais do que o presente, porque nada é mais do presente do que um bebé a olhar as folhas das árvores. Esta sabedoria de se olhar simplesmente é apanágio dos recém-nascidos e dos velhos. Perde-se no meio.

O desespero com que corremos para o futuro, impede que nos lembremos se desligamos a torradeira, ou, como me aconteceu em tempo que já lá vai, no meio da viagem não me lembrar se me tinha calçado convenientemente antes de sair ou se carregava no acelerador com uma pantufa de Inverno.
A capacidade de olharmos é substituída pela vontade de ver o mais depressa possível. O futuro, a noção que dele temos, porta-se como um vórtice de ansiedades e de antecipações que aniquila a nossa capacidade de olhar as coisas, atenuando até ao limite do suportável os instantes que por nós passam no presente, mas que não julgamos contributo para o futuro. Valorizamos e iluminamos em demasia o objectivo a atingir e descuramos por completo o quotidiano que, imerso numa sombra forçada, não é sentido como meio ou ferramenta que permite o alcançar do projectado.
Vivemos com pressa de chegar, não perdemos tempo, como se a nossa vida esperasse muito lá ao fundo.

O olhar que vive no Presente é apenas a sabedoria do bebé pasmado com o oscilar das folhas do início anunciado do Outono, no momento exacto em que elas oscilam, e do velho que se vai hipnotizando com o arrulhar dos pombos no rolar dos grãos de milho que naquele instante vão tocar o chão.

Nós vendamo-nos para correr.