24.6.24

A Gaffe balzaquiana


Leio Balzac, Le Père Goriot, pelas razões óbvias - não há traduções condignas -, mas sobretudo por me recusar a deixar de o fazer na língua de origem.

Deitada na cama, encostada às almofadas, repleta de spleen como convém a quem lê Balzac por motivos muito pouco literários.
A minha mão segura o livro que vou desfiando folha a folha sem entusiasmo, sem mergulho denso e mais do que perfeito no pulsar do romance.
 
O braço esquerdo erguido, pousado na cabeça, esquecido, à toa, vadio e indiferente, deixa que a mão vagueie pelo rosto. A mão esquerda, que não ajuda em nada, tonta e liberta da minha atenção, porta-se como elemento exterior a mim. Passeia no meu rosto, pelo meu rosto, na face direita desenhando rumos e caminhos. Esqueço-me que é minha e sinto-a a descobrir as órbitas, os maxilares, o queixo descarnado, as maçãs do rosto ósseas, os ossos por inteiro.

A minha caveira.
A finitude palpada pelos meus dedos, a brutal consciência da mortalidade.

A Morte cá dentro a ler Balzac