26.6.24

A Gaffe no final da sinfonia


A sala de concertos estava repleta.
O público borbulha nervoso à espera dos finais das sinfonias de Bach.
Na semana anterior ouvira-se Wagner. Era a vez dos finais de Mahler, e de Schumann. Os fins de Debussy ficariam para o mês seguinte, que as duas outras salas existentes estavam ocupadas pelo concurso do mais rápido maestro do momento, aquele que num ápice acaba Beethoven, a nona ou outra que escolherem.

O homem acomodou-se na poltrona. O camarote tinha sido reservado no imediato momento em que foi anunciado o concerto. Podia esgotar e o senhor nunca se perdoaria ter deixado - por descuido, indolência, falta de atenção ou letargia - de ouvir os finais das sinfonias.
Ainda pensou que talvez fosse melhor assistir ao concurso do maestro mais rápido do mundo, na sala ao lado daquela, mas o mês ainda estava no começo e se se apressasse seria possível assistir à final.

Olhou a plateia.

Havia gente por todo o lado e de todas as classes. Pré-primária à frente, logo seguida do primeiro ciclo, segundo ciclo, jovens universitários, licenciados, doutorandos e professores de cátedra, misturados com sucessos de carreira oriundos de outros lados e de percursos distintos destes.

Sentia-se pertença do grupo dos profissionais que, sem trilho académico, tinham atingido todos os objetivos propostos e alcançado o sucesso almejado num curtíssimo espaço de tempo. Aos cinquenta era já reconhecido como incontornável perito nas matérias que só os muito mais velhos dominavam. Novo, muito novo – os cinquenta o que são?! -, tinha o estatuto que sempre desejara e pelo qual tinha lutado todos os instantes. Depois foi só correr até à reforma - rzoável e segura - que autorizava a compra do camarote para assistir aos finais das sinfonias.
Sempre foi um homem normal e normal é vestir o que compramos para trabalhar conduzindo através do trânsito num carro que ainda estamos a pagar para chegar a tempo ao trabalho que precisamos para poder pagar as roupas e o carro e a casa que deixamos vazia todo o dia para que nos seja permitido lá viver.

Neste tardar, o homem foi acometido pela sensação de nunca se ter sentido diferente nos momentos em que alcançava cada um dos seus propósitos. Por ser normal, é que sentiu que talvez não fosse má ideia repensar o modo como lutava pelo que valia mesmo a pena defender.
Nos finais das suas brigas e batalhas, das suas pressas, nunca se tinha sentido maior ou menor, pior ou melhor. Finalizado um projecto, corria atrás do fim de um outro, sem nunca se ter apercebido que procurar o fim das coisas e das lutas, buscar o terminal dos objectivos com a ânsia de o atingir com um brilho de um raio, tinha apenas permitido comprar o bilhete para o concerto a que assistia e possibilitado a reserva do lugar para o concurso de maestros.

A cortina moveu-se nervosa. Tardava alguns segundos.
Levantou-se, desta vez muito devagar, e saiu.

Em casa, pegou no comando da televisão e foi de canal em canal à procura das sinfonias inteiras.

Encontrou apenas a MTV.
Ilustração - Marius Van Dokkum
Animação - Joel Remy