25.6.24

A Gaffe queirosianamente fácil


Deparo-me, nas minhas andanças por diferentes Avenidas, com verdadeiras jóias, inesperadas, mas perfeitamente aceitáveis tendo em conta os contextos e as épocas em que foram ditas ou escritas.
Fornecem pequenas - contudo brilhantes - informações acerca, por exemplo, de como era encarada quer a narrativa para a infância, quer os seus produtores.

Tomemos, retirando à toa, uma das Cartas de Inglaterra de Eça de Queirós onde é louvada a literatura infantil inglesa e aconselhada a adopção iluminada deste tipo de narrativa fácil.
Ouçamos:

(...) eu tenho a certeza que uma tal literatura infantil penetraria facilmente nos nossos costumes domésticos e teria uma venda proveitosa. Muitas senhoras inteligentes e pobres se poderiam empregar em escrever estas fáceis histórias (...)

É natural que senhoras inteligentes e pobres não possam pela certa ser convidadas a escrever O Crime do Padre Amaro ou O Primo Basílio, cujas narrativas não são de todo fáceis - embora exijam produtor inteligente. É também curioso verificar que, aparentemente, a razão que origina a recomendação desta actividade seja a pobreza de quem é reconhecidamente inteligente, assim como o desejo manifesto de que esta literatura infantil esteja presente entre os nossos costumes domésticos.
Apesar do aceitável mau grado com que lemos estes anacronismos, somos obrigados a reconhecer que, também aqui, Eça é um iluminista. Ao pretender reformar os costumes, reconhece e considera que a literatura infantil serve essa reforma, não se esgotando nela evidentemente.

Mas não deixa de ser interessante este olhar queirosiano sobre o que na época se poderia apelidar a Literatura do sotão.

E não deixa de ser pertinente verificar que hoje o leque de quem escreve estas histórias fáceis se abriu imenso, incluindo também gente muito pouco inteligente e de todas as posses e poses.

Ilustração - Edouard John Mentha