Toda a rapariga esperta traz as garras recolhidas. É um tigrezinho sonolento à espera que o vento descontente lhe pouse sob a almofada das patas o requinte de um acepipe da cor das folhas secas onde preguiçoso se alonga a ronronar. Mas, embora sabendo que nada se abra mais por engano do que a boca, nós, raparigas, somos realmente tagarelas - e mesmo assim, não conseguimos dizer tudo o que sabemos.
Talvez por isso fosse interessante esquecer, a demência que grassa no que a Gaffe rabiscou ontem e que parece saído da converseta de um grupinho de esgrouviadas liderado pela mais reguila, mas a Gaffe admite que se deixou levar pela pretensão de augurar um futuro de desilusão. Podia ter sido uma avalanche de palabrotas bem interessante se reportasse à contaminação sublimada do poder do estereótipo pelo tabloide e se abordasse o significado do encontro entre vedetismo e mito. Mas a Gaffe não anda com paciência, por isso acabou por não dizer absolutamente nada que valha a pena ser dito - o que é frequente.
Adaptando a máxima do filósofo, cuidado com a fúria de um homem paciente, ao estado de irritabilidade que assolou a Gaffe, poder-se-á afirmar que urge acautelar as portas de uma rapariga mimada, snob e abespinhada. Geralmente, embora esperta, escolhe bater com elas, até escacar as maçanetas, ou estalar em fúrias contra Trump, a ter de enfrentar as dunas dos diálogos mais solares.
No entanto, a Gaffe sempre considerou que que numa discussão acalorada, sendo portadora da razão, se irrita e desanca o oponente com a força dos argumentos certos gritada alto e bom som, há sempre quem diga muito de mansinho e com uma benevolência paternalista própria de idiotas:
- Perdeste a razão quando gritaste.
Nada mais incorrecto.
A razão, se a temos, resiste a tudo quanto é berro, gesto, beijo ou birra e fica, se já lá estiver, do nosso lado mesmo que pelo ar chovam os chinelos.
É bom que este facto fique bem assente ou teremos de lançar fogo ao primeiro traste que vier dizer que se a Gaffe desatar aos berros, perde a razão toda, mesmo quando a tem bem segura.
A razão é como a sardinha numa lota. Tanto se apregoa aos gritos, como se mostra fresca e muda na canastra. Em ambos os casos não se transforma em chispe.
Pese embora o alvoroço de ontem, a Gaffe é naturalmente fútil.
A Gaffe não é miúda de grandes e eruditos ensaios e por não preencher os parâmetros exigidos para ser introduzida nos círculos mais famosos, fica aberta a possibilidade de se transformar em pin-up idiota, recortada em papel e em poses divertidas e marotas. Uma pin-up de cartaz e somente isso.
Às vezes a vacuidade é abençoada. Nós, que apenas somos raparigas espertas, acabamos por parecer loiras de anedota tonta e patética, mas é a futilidade consciente que nos permite falar ao mesmo tempo do baile de Cortez e do corte de uma saia Valentino.
Às vezes a vacuidade é abençoada. Nós, que apenas somos raparigas espertas, acabamos por parecer loiras de anedota tonta e patética, mas é a futilidade consciente que nos permite falar ao mesmo tempo do baile de Cortez e do corte de uma saia Valentino.
É tão bom ser fútil e palrar acerca de tralha inútil!
Dizer, por exemplo, à boca cheia, que as cores do Verão 2025 são definitivamente e de todo o amarelo mostarda e o lilás dramático.
Com o amarelo mostarda a Gaffe passa bem. É fácil identificar a cor comparando-a com as nódoas que os petizes trazem do McDonald's. Agora o lilás dramático é já qualquer coisa que faz alguma confusão. Não se sabe exactamente ao que nos conduz o dramático que vem colado ao lilás.
Não é a primeira vez que a Gaffe lê nas revistas da especialidade referências a cores que seriam identificáveis de imediato se não viessem com apêndices que as limitam a determinadas emoções ou estados ou qualquer outra coisa parecida.
A Gaffe já se encantou com a saia vermelho ópera, com o casaco azul emotivo e já tropeçou com a carteira um preto nostalgia.
Temos de admitir que desta forma uma rapariga fica alterada e acaba por fazer figura de imbecil - sofisticada, mas imbecil - quando entra numa loja do melhor, na Baixa, e declara a meio do atendimento que adora aquele fabuloso soutien de renda, mas que o prefere em branco entusiasmado ou, em alternativa, em azul melancólico.
Estas pequenas armadilhas podem fazer todo o sentido no linguarejar dos grandes costureiros, mas não são, de todo, práticas e arruínam a reputação de qualquer rapariga esperta que acaba por ser vista como uma totó oxigenada, ou loiro açucareiro, com a mania que é íntima do Dior.
Basta!
O mundo seria tão mais simples e feliz se não existisse aquele laranja vomitado.