É uma tontice lançar perdigotos contra o atendado a Donald Trump declarando que este estilhaço acaba de lhe entregar a vitória. O senhor tem ao seu lado fanáticos suficientes para vencer - mesmo com a orelha completa.
Afro-americanos, gays, emigrantes nacionalizados - eu entrei, mas tu já não entras, carago! - latino-americanos, donas-de-casa desesperadas, mulheres saídas dos formigueiro de gente de todos os lados e cores e muito mais que não se diz por ser chocante - decidiram há muito dar mais crédito a um criminoso com ditos alarves iguais ao penteado, do que a um senhor com séculos de corrimãos, esquinas, vãos, escadarias, alçapões, caves e corredores políticos, com um cabeleireiro que também não é exactamente o mais apropriado.
É evidente que é negada indulgência a Biden. A implacabilidade com que são abanados e achincalhados os seus assustadores erros crassos no desastre de um debate, contrasta com uma espécie de benevolência, um tudo ou nada cúmplice, com que se ouvem mais uma vez os petardos misóginos, racistas, machistas e xenófobos do rival, mas existem neste saco mais uma vez os picotados que ajudam a adivinhar o resultado desta eleição - democrática, sublinha-se.
Trump, já com experiência política, continua a cuspir uma verborreia populista, fanfarrona, mentirosa e temerária que encontra eco num país que - diz o humorista - não existe, o que existe é publicidade, enquanto Biden arrasta consigo os pés, as pernas e um mandato de inoperante imobilidade, tempo e cargos mais do que suficientes, para alterar os slogans das oligarquias.
É claro, dizem os entendidos, que a economia americana, ao contrário do apregoado pelo republicano, cresce de modo saudável, que a taxa de desemprego diminuiu significativamente e que Biden não conseguiu cumprir parte significativa do que havia prometido porque esbarrou contra mecanismos institucionais e constitucionais - democráticos - que muitas vezes travam o bom senso e a possibilidade de se ver instalada a noção clássica de democracia. São estes mesmos mecanismos, institucionais, constitucionais - democráticos, mas agora corrompidos - que provavelmente deixarão de poder travar os surtos psicóticos do futuro ocupante da Sala Oval.
A vitória de Trump é um facto incontornável e é irritante ver passar a torrente de indignação digital generalizada e inútil, erguendo as trevas de um holocausto nuclear, temendo as fogueiras da Inquisição, da xenofobia, da homofobia, do machismo ou do obscurantismo sexual, escurecendo com muros de vergonhas pagas pelos mexicanos ou transformando Putin num Maquiavel de pacotilha, capaz de erguer a Rússia como uma potência planetária, manipuladora dos destinos dos povos e dso países.
Chocarmo-nos com esta eleição de um psicopata é o mesmo que criticar o plástico de Melania Trump, a decoração do apartamento do eleito pelo povo americano ou discursar como os comentadores dos Jornais das Nove que já conhecem o resultado desta eleição, mas que continuam a debater as evidências porque que são fáceis de enfiar no rabo dos que as ouvem.
É tragicómico.
Trump é já o novo Presidente dos Estados Unidos da América.
fotografia de David Fenton - Marcha contra Hubert Humphrey, NY - 09 de Outubro 1968
Nota de rodapé - Entretanto a nova primeira-dama reage condoída, referindo-se ao perturbado responsável pelo atentado:
Um monstro que considera o meu marido uma máquina política desumana tentou extinguir a paixão de Donald, o riso, a criatividade, o amor pela música e a inspiração.
Stormy Daniels
(perdão, Melania Trump)
A primeira-dama prova outra vez que não vale a pena casar por alguns tostões. Embora sejam o aborrecimento e o dinheiro que mais casamentos fazem depois do amor, não é de todo aconselhada a via das finanças. Pedi-los emprestados sai sempre mais barato. É injusto chibatar a senhora apenas porque percebeu que se tinha a possibilidade de viajar em primeira não podia permitir que outra o fizesse.
Melania possui uma espécie menor de elegância - a forçada. É uma mulher elegante à força. Desde que se mantenha calada, sem se mover muito, de perninhas juntas e mãos cruzadas, disfarça a total ausência de carisma e de charme - características essenciais à elegância genuína - e é palerma rasgar-lhe os maravilhosos D&G que usa para pedir ao marido que lhe benza o terço.
Melania não causa dano. Não sabe. É bonita e basta.
Mais uma vez, meu Gentilíssimo Cavalheiro, encontro em si um lugar onde me posso sentar e ficar pelo tempo contado dentro, a ouvir falar das coisas que me falham, porque me faz acreditar que há sempre um lugar perto de lareiras, de clareiras, aninhado num sofá florido, embrulhado numa manta da Serra, de carapins tricotados pela avó, enquanto chove e troveja nas varandas deslumbrantes do sossego. Obrigada.